Vasconcelos vai à luta: presidente deposto do Pará rompe com presidente nacional da OAB, diz que intervenção foi motivada por fisiologismo e passa pente-fino nas gestões anteriores. Só franquia de celular chegaria a R$ 10 mil por mês.
Nunca antes neste País se viu algo assim.
Primeiro, foi a intervenção na Seccional paraense da Ordem dos Advogados do Brasil, medida inédita na história da entidade.
Agora, é o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante Junior, que está, a bem dizer, "debaixo de bala".
Em coletiva, ontem, à imprensa – e numa entrevista exclusiva à Perereca – o presidente deposto da OAB paraense, Jarbas Vasconcelos, abriu o verbo: classificou de “fisiológica” a intervenção decretada no último domingo, dada a dependência das seccionais estaduais da instituição, em relação ao Conselho Federal.
Deixou entrever a possibilidade de uma armação – inclusive com cerceamento de defesa – para afastá-lo do cargo. Tudo orquestrado por Ophir Cavalcante, que teria decidido recorrer ao “tapetão” para apear Vasconcelos do cargo.
O presidente deposto – que, aliás, rompeu publicamente com Ophir durante a coletiva - também ameaça abrir aquilo que parece ser a “caixa de Pandora” da OAB paraense: pra já, vai denunciar Ophir Cavalcante ao Conselho Federal da OAB, pela “destruição” da sede da entidade, no município de Altamira.
E de um pente-fino que está sendo realizado em gestões anteriores, já tornou pública pelo menos uma informação complicadíssima: a de que havia dirigente torrando o dinheiro da instituição com franquia de telefone celular de até R$ 10 mil por mês, entre otras cositas mais.
As possíveis irregularidades no uso dos recursos financeiros da OAB paraense – que Vasconcelos, aliás, mencionou em carta distribuída à imprensa anteontem - incluiriam o uso do cartão corporativo também para o pagamento de viagens e refeições.
E mais: segundo ele, alguns dos principais personagens da venda frustrada de um terreno da OAB em Altamira – o processo em que teriam sido detectadas as irregularidades que motivaram a intervenção – são, na verdade, ligados ao presidente nacional da entidade.
Esse seria o caso do presidente da Subseção da OAB em Altamira, Otacílio Lino Junior – que avaliou o imóvel em R$ 350 mil e depois afirmou à imprensa que ele valeria R$ 1 milhão.
Também seria o caso do vice-presidente da entidade, Evaldo Pinto, e ainda da advogada Cynthia Portilho, que falsificou a assinatura de Evaldo na autorização para a venda do terreno de Altamira, segundo ela, a pedido do próprio Evaldo.
“Quem contratou a doutora Cynthia para a OAB não fui eu: ela trabalhava na OAB há oito anos, dos quais três diretamente com o doutor Evaldo”, disse Jarbas.
Quer dizer: a guerra paraense ameaça arrastar também a OAB nacional para o olho do furacão.
Segundo uma fonte da OAB local, a auditoria que está sendo realizada há mês “nas gestões anteriores” deve ficar pronta ainda esta semana.
Para hoje é esperada a publicação do acórdão da intervenção na OAB paraense e, talvez, o ajuizamento de ação, em Brasília, por Jarbas Vasconcelos.
Ontem, na rádio-cipó dos advogados, Frederico Coelho de Souza e Roberto Lauria eram os nomes apontados como possíveis interventores da OAB paraense. Ambos são ligados a Ophir.
Também se especulava da possibilidade de os presidentes de comissão da OAB paraense (ao todo, 43) renunciarem coletivamente aos cargos, o que, na prática, paralisaria a entidade. Ontem, o primeiro deles já entregou o cargo: o presidente da Comissão de Meio Ambiente, o ex-deputado Zé Carlos Lima. (Leia aqui: http://zecarlosdopv.blogspot.com/2011/10/intervencao-secreta-nao.html).
Veja algumas das principais declarações de Jarbas Vasconcelos na coletiva de ontem de manhã:
“A luta da Alepa (Assembléia Legislativa do Estado) mexeu com interesses inconfessáveis. E essa foi a sanha em que se juntam todos aqueles que são o pior da moral, do caráter, da história política deste estado, com aqueles que, também lamentavelmente estão dentro da nossa instituição, mas querem um presidente covarde, medroso, que abaixe a cabeça para as autoridades, que corteje os ricos, que faça genuflexão para os poderosos”.
“Vou à Justiça contra a decisão do Conselho Federal. Por um ato de vaidade? Absolutamente. Por uma questão pessoal? Em hipótese alguma. Diria a vocês que estou tão constrangido com a decisão... ( não moralmente, mas, com a minha instituição, pelo processo que encaminhou) que, se eu pudesse, diria: vou sair da OAB. Mas não posso dizer isso. E vou lutar pela minha dignidade, pela dignidade dos meus companheiros, dos funcionários desta casa, para que a Justiça seja restabelecida”.
“Nesse terreno houve uma venda inconclusa, que não se realizou. Quem fez a avaliação desse imóvel foi o doutor Otacílio Lino Junior, presidente da Seccional de Altamira, que é corretor de imóveis. Ele que disse que o valor daquele imóvel era de aproximadamente R$ 350 mil. Trouxemos isso ao Conselho e foi aprovado por unanimidade – todos sabiam. O que estranha é que, no dia seguinte a essa venda, quando eu viajava para atender um problema de saúde, ele chegue e diga: mas, olha, o imóvel não vale isso; vale três vezes mais.Aí os conselheiros que aprovaram a venda, vêm e dizem: olha, não pode vender o imóvel a um conselheiro, porque isso é imoral. E eles foram a um jornal dizer isso – não vieram dizer pra mim, não vieram dizer aqui dentro. E o jornal já saiu me assacando como um presidente desonesto”.
“O doutor Robério (D’Oliveira, o conselheiro da OAB que chegou a pagar pelo terreno, mas depois voltou atrás devido aos questionamentos éticos em torno da transação) fez um ato de grandeza, porque se o terreno valia mesmo R$ 1 milhão e o conselho já tinha aprovado a venda, ele poderia dizer: não vou desfazer não, prefiro sair do conselho, mas, levar o terreno. Mas ele desfez a venda e novamente com a aprovação de todos os conselheiros”.
“Assim como não temo políticos poderosos deste estado, nem homem rico, nenhuma empresa poderosa, muito menos eu temo o nosso presidente nacional. Nem ex-presidente desta Casa, nem os de fora nem os de dentro”.
“Essas pessoas todas que pediram licença da OAB (os conselheiros paraenses que se licenciaram após a eclosão do escândalo) eram ligadas a ele (Ophir). Doutor Otacílio Lino, ligado a ele. E aí veio uma campanha orquestrada pela imprensa contra mim. Mas como ninguém prestou solidariedade a essas pessoas, nem dentro do sistema OAB, que é formado por 400 pessoas... Tentaram correr um abaixo-assinado entre os advogados e não conseguiram uma assinatura; tentaram obter apoio da sociedade, mas não conseguiram. Aí, levaram para o tapetão do Conselho Federal, onde manda o presidente nacional. Aí cabe perguntar daqui pra frente pra ele: por que é que ele fala contra a corrupção em todos os lugares deste país, mas não fala deste estado?”.
“Ela (a advogada Cynthia Portilho) não era uma pessoa da minha confiança funcional; ela era da confiança funcional e pessoal do meu vice-presidente (Evaldo Pinto), que também é uma pessoa ligada a esse grupo com quem eu compus” (o grupo é o de Ophir Cavalcante. A composição se refere às últimas eleições para a OAB paraense).
“Esse processo (de intervenção) é claramente político”.
Sobre os questionamentos éticos acerca da venda de um terreno da OAB para um conselheiro da própria OAB:
“Quando nós aqui chegamos, os nossos representantes no Conselho de Segurança Pública (e a OAB tem assento em tudo que é conselho: segurança pública, da mulher, do meio ambiente, Sudam, Fiepa), esses conselheiros eram indicados sempre pelo presidente. Na nossa gestão, passaram a concorrer numa lista, com seus currículos, inscrição no portal da Ordem e votação pelo Conselho. A nossa preocupação moral sempre foi grande. Nesse caso (da venda do terreno para um conselheiro) aconteceu o seguinte: como era uma proposta de valor, achamos que nenhum colega ou escritório pudesse ser impedido de concorrer, já que seria pelo maior valor (a venda). Seria uma concorrência justa, de dentro ou de fora, se apresentasse proposta menor, perderia. E ele (Robério) foi a única proposta”.
“O nosso erro não foi moral, foi político. Porque, no momento em que fazíamos isso, caminhávamos pelas ruas de Belém contra os interesses de políticos muito fortes. Aquela alienação não deveria nem ter ocorrido naquele momento, porque, fosse como fosse, ela estava sob os holofotes da manipulação desses setores”.
“E quero revelar aqui um fato para vocês, que eu também não sabia: que o ex-presidente da OAB, Edilson Silva, fez uma representação contra o doutor Ophir, porque o doutor Edilson, em 1995, construiu uma sede naquele terreno (de Altamira) e, em 2006, a sede foi demolida pelo doutor Ophir. O doutor Edilson não estava participando das sessões da OAB (ele se aposentou em maio) e quando soube da história do terreno, perguntou: “Mas por que estão vendendo o terreno?” E disse: “mas existia um prédio lá, que eu construí”. E disse, ainda: “mais grave do que tentar vender um terreno é destruir um prédio, sem autorização do Conselho Seccional”. Não houve autorização da diretoria, nem nada. E esse processo eu vou remeter para o Conselho Federal. Se vou ser julgado por uma tentativa de vender um terreno, o presidente nacional da OAB será julgado por ter destruído um patrimônio, e isso por decisão pessoal dele”.
Sobre as possíveis irregularidades nas gestões anteriores da OAB Pará, na nota distribuída anteontem à imprensa:
“Quando chegamos aqui uma das nossas primeiras providências foi cortar cartões corporativos de todos os diretores. Ninguém na minha gestão usa cartões corporativos, nem para adquirir questões da Ordem e, muito menos, pessoais. Nem tem franquias de telefones celulares, como tinham, em que se gastavam R$ 10 mil por mês”.
“Nunca gostei de duas coisas de político: um é fazer dossiê para perseguir outro. E outra é não pagar as contas do outro, como se o governo não fosse dele. Então, quando assumi, não fiz dossiê, levantamento. Mais recentemente, a nossa Comissão do Orçamento e Gestão procedeu ao levantamento das contas anteriores e eu vou entregar isso à diretoria interventora e, também, à imprensa, no momento correto. Vou deixar tudo transparente. Assim como quero o meu processo transparente, também quero o dos outros.”
“Essa questão de franquias de telefones, de viagens, de uso de cartões corporativos, para jantares, para almoços, que no momento certo vou entregar à imprensa, certamente que faz parte do caldo de ódio dessas pessoas que hoje me acusam – não tenho a menor dúvida disso. O fato de fazer currículos e votação para indicar conselheiros, colegas advogados para os cargos públicos; voto direto para indicar desembargador de tribunal, tudo isso faz parte do caldo de cultura que hoje está me atingindo”.
“Fui a primeira gestão desta Ordem em que as contas foram auditadas. Prestamos contas não só aqui, numa sessão pública, mas, na porta dos fóruns. Esta a gestão que está sendo acusada de imoralidade, pela tentativa da venda de um terreno que não aconteceu. E eu pergunto a vocês: será que a advocacia do Pará está ganhando com esse processo? Será que a sociedade do Pará está ganhando com esse processo de intervenção, de afastamento, de exposição da OAB? Quem é que está ganhando?”
Sobre o rompimento com Ophir, que Vasconcelos anunciou na coletiva de ontem:
“Esse rompimento não é feito em causa própria, mas, na defesa da instituição e da sociedade. A quem interessa essa intervenção? Estão vindo pra cá intervir pra quê? Para restaurar o quê? Para recuperar o quê? Estão fazendo um golpe de uma minoria contra a maioria, contra a sociedade paraense. Eu espero que aqueles que venham pra cá tenham um décimo da coragem, do destemor cívico de enfrentar aristocracias poderosas deste estado. Que tenham coragem de levar a classe para as praças públicas, para exigir correção do MP e do Judiciário”.
“A minha atitude a partir de agora não pode ser outra: é ir ao Judiciário, para que seja restabelecido um princípio caro para nós – o princípio da legalidade; para restabelecer o devido processo legal”.
“Vou lhes dar um exemplo desse processo da Ordem: fui convidado para depor como informante. A mim não foi dado o direito de acompanhar o depoimento de alguém contra mim. A mim não foi perguntado se queria arrolar uma testemunha. Não foi perguntado a nenhum conselheiro ou funcionário: “o doutor Jarbas pediu para você votar a favor do doutor Robério? Na prática diária daqui, quando há interesses da Vale, do Governo, do Poder Judiciário, da Assembléia, o doutor Jarbas procura dizer vote a favor disso e esconda aquilo pra debaixo do pano?” Não, não tem ninguém. E eu desafio que haja alguém que diga que fiz isso em qualquer ato da minha vida, inclusive, nesse caso do terreno de Altamira”.
“Quem avaliou esse terreno (de Altamira) foram pessoas ligadas íntima, pessoal e politicamente ao presidente nacional da Ordem; quem aprovou aqui, todos eles, também. E quem me denunciou foram eles – e o nosso presidente nacional, que encampou essa denúncia e usou da sua força, do seu poder econômico. Tanto é assim que as duas seccionais que mais enfrentaram a Diretoria do Conselho Federal ao meu favor, coincidentemente, foram as OABs que não precisam do Conselho Federal, porque são as mais ricas e poderosas da Federação: Rio de Janeiro e São Paulo. Isso dá bem a dimensão do fisiologismo do que foi essa decisão”.
E leia agora a entrevista de Jarbas Vasconcelos à Perereca: